Eu ensinei a ler, mas ninguém leu minha dor.
- Mundo Encantado dos Livros
- 1 de jul.
- 2 min de leitura
Nesta crônica marcada por dor, lucidez e resistência, um professor, que poderia ser qualquer um dos milhares esquecidos nas salas de aula do país, desabafa com a força de quem ensinou a ler o mundo, mas teve sua própria história ignorada. Entre ironias e verdades cruas, o texto escancara a desvalorização do magistério, a pressão desumana do sistema educacional e a invisibilidade de quem sustenta, dia após dia, a esperança de um futuro melhor. É um grito urgente, escrito com a alma, para que o Brasil aprenda, de uma vez por todas, a ler e respeitar seu principal texto: o professor.

Ensinei a juntar sílabas, a decifrar placas, a entender textos e subtextos.
Ensinei que “A” com “M” e mais algumas letras formam “AMOR”. Que ironia. Porque amar essa profissão é quase um transtorno.
Ensinei a ler o mundo, enquanto o mundo me desconsiderava como nota de rodapé.
Ensinei redação, contudo ninguém quis ler meu rascunho.
Corrigi provas, porém ninguém corrigiu as injustiças do meu dia a dia.
Ensinei a identificar o sujeito, mesmo quando o sujeito sou eu, pedindo socorro calado.
Fui avaliado, observado, monitorado, registrado em planilhas, como se meus ossos fossem dados estatísticos e minha mente um campo de produtividade. No intervalo, aquele luxo de 15 minutos, tentei respirar, mas até o ar parece terceirizado.
A diretora pede inovação.
O governo pede resultados. Os pais pedem milagres.
Os alunos pedem atenção. E eu? Eu pedi respeito. No entanto ninguém leu esse bilhete. Devem ter jogado fora com os papeizinhos do chão da sala.
Transformaram educação em protocolo, aluno em número, e professor em bode expiatório.
Quando a sociedade dá errado, o culpado veste crachá e carrega caneta. Apontam para a escola como se fosse uma fábrica de utopias, sem ver que nos deram ferramentas quebradas e esperam uma nave espacial.
Ensinei a ler, sim. E muitos aprenderam. Mas quando foi minha vez de precisar de leitura atenta, ofereceram silêncio. Não quiseram saber das entrelinhas. Ignoraram o grifo da exaustão. Passaram batido pela introdução do burnout e pularam direto para o julgamento.
Porque professor, para eles, não sente.
Não adoece.
Não quebra.
Não chora.
Só ensina.
E depois se apaga.
Entretanto, aviso: continuo aqui. Lendo o mundo com olhos cansados e língua afiada. Porque se ninguém quer ler minha dor, eu escrevo ela em letras garrafais.
E grito.
Grito até virar manchete. Até virar lousa. Até virar livro.
E quem sabe, um dia, esse país aprenda a interpretar o texto mais importante da sala de aula: O PROFESSOR.
Escrito por: Arthur Souto
Instagram: @mundo_encantado_dos_livros
Autor de: Pé de Menina
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