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🦉 A Coruja de Timbuktu

  • Foto do escritor: Arthur Souto
    Arthur Souto
  • 30 de jul.
  • 4 min de leitura

Nesta fábula poética, uma sábia coruja revela a verdadeira riqueza da África a um grupo de animais: não apenas tambores e máscaras, mas também bibliotecas milenares, ciência, arte e cidades modernas. Uma história sobre identidade, saber e a força de quem conhece suas próprias raízes.

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Às margens de uma savana dourada, onde o vento sussurrava entre as folhas dos baobás e as estrelas cintilavam como olhos antigos, vivia Nia, uma coruja de penas prateadas e olhos que pareciam conter milênios. Empoleirada no topo da lendária Biblioteca de Timbuktu, entre manuscritos empoeirados e segredos ancestrais, ela era guardiã de um saber esquecido por muitos, contudo não por ela.


Certa manhã, a calmaria da savana foi interrompida por um alvoroço. Um mensageiro europeu havia deixado uma carta na clareira central:


“Animais da África, por favor, enviem desenhos e histórias para o mural da Escola do Mundo. Queremos conhecer o continente de vocês!”


Assim que a carta foi lida em voz alta, um burburinho se espalhou entre os animais. O Macaco Saltitante, o mais impulsivo de todos, deu cambalhotas de empolgação.


— Já sei! Vou desenhar umas máscaras, uns tambores, umas lanças, umas tribos dançando! Isso é África!!! — gritou, equilibrando-se num galho de tamarindo.


A Girafa Curiosa, sempre reflexiva, inclinou o pescoço com elegância e franziu o cenho.

— Hummm… só isso, Macaco? Será que a África é só isso?

— É o que eles esperam ver! Máscara, dente à mostra, pé no chão — respondeu ele, dando risada.


No entanto a Girafa não achou graça. Aquilo a incomodava.

— E se a gente perguntasse pra dona Nia? A Coruja de Timbuktu sabe mais que qualquer livro! — sugeriu o Ouriço-pigmeu.


Naquela mesma noite, guiados pelo luar, os animais atravessaram savanas e dunas até alcançarem Timbuktu, onde o deserto encontra o saber. Entre paredes de barro e minaretes que tocavam o céu, morava Nia, envolta em silêncio e pergaminhos.

— Dona Niaaaa! — chamou a Girafa, esticando seu pescoço ao máximo. — Recebemos um pedido da Escola do Mundo. O Macaco desenhou umas máscaras e... mas será que somos só isso?


A coruja abriu os olhos devagar, como quem revira páginas de séculos dentro de si. Após alguns segundos, e com uma voz que parecia ecoar desde o fundo da terra falou:

— Meus queridos... sabiam que Timbuktu já abrigou universidades há mais de sete séculos? Que africanos e africanas estudavam matemática, astronomia, medicina e filosofia quando muitos países da Europa sequer sonhavam com isso?

Houve silêncio. Um silêncio denso, pesado de surpresa.


— Mas... isso não está nos livros da escola... — murmurou o Leão Jovem, acostumado a rugir, não a refletir.


Nia alçou voo até uma estante de barro e puxou um manuscrito coberto por traços em árabe antigo.

— Este é um tratado de Ahmed Baba, um dos maiores intelectuais do continente. E aqui — ela abriu outro volume — o mapa do Império do Mali: comércio vasto, cidades iluminadas, cultura viva. África não começou com grilhões. África não se resume a batuques, máscaras ou tribos primitivas.


O Macaco coçou a cabeça, desconcertado.

— E hoje, Coruja? A gente ainda tem tudo isso? — questionou o Ouriço-pigmeu.


Nia sorriu. E abriu um novo mapa, agora colorido, vibrante, pontilhado de luzes como constelações.

— Vejam Joanesburgo, na África do Sul: arranha-céus, universidades, arte urbana pulsante. Aqui está Nairóbi, onde o sistema M-Pesa transformou celulares em bancos de bolso, revolucionando a economia.


Os olhos dos animais se arregalavam a cada revelação.

— Essa é Kigali, em Ruanda. Uma das cidades mais limpas e organizadas do mundo! E Accra, no Gana, vibra com moda afro-contemporânea, cinema e literatura.

— Uaaaaau! — exclamou o Macaco, boquiaberto.


A Coruja pousou com suavidade e fechou o livro com um leve estalo.

— Enquanto o mundo ainda desenha a gente com ossos no nariz, nós construímos pontes para o futuro.


O Leão se levantou. Seus olhos agora brilhavam como brasas recém-acesas.

— Então, enquanto nos retratam com lanças, nós escrevemos ciência. Enquanto nos chamam de selva, nós erguemos cidades — disse a Girafa, refletindo sobre o que acabara de aprender.

— Exatamente — assentiu Nia. — O saber está aqui. O que falta é o mundo nos escutar. E às vezes, falta até nós mesmos nos lembrarmos de quem somos.


Naquela semana, os animais se reuniram de novo. Guardaram os tambores. Esqueceram as máscaras. E, com carvão e folhas novas, desenharam bibliotecas milenares, intelectuais africanos, cientistas, cidades inteligentes, artistas e inventores.


Enviaram tudo à Escola do Mundo e para diversas partes do mundo.

Algumas semanas depois... cartas vindas de diversos continentes encheram a clareira de palavras. Contudo uma, da América do Sul, fez o coração do bando bater mais forte:


“Hoje aprendemos que a África não é uma história contada por outros. É contada por seus próprios filhos. Obrigado por nos mostrar uma África viva, sábia e cheia de futuro.”


O Macaco, com um sorriso tímido e os olhos úmidos, disse:

— Acho que a África é bem mais do que eu pensava…


A Coruja fechou os olhos outra vez, serena, como quem guarda um segredo sagrado.

— A África é berço, mas também é asa. E agora, vocês podem voar.


🌍 Moral da Fábula:


A verdadeira imagem da África não cabe em estereótipos: ela vive nos pergaminhos antigos e nas cidades que brilham sob o sol do presente.”



✍️ Escrito por: Arthur Souto


📚 Autor de: Pé de Menina, O Tumbeiro (Prêmio Book Brasil 2024), A Fada do PIX (Prêmio Ecos da Literatura), Minha vida em versos e flores.


📸 Instagram: @mundo_encantado_dos_livros

🔗 Blog: mundoencantadodoslivros.blogo


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