⏰ O Relógio em Mim
- Arthur Souto
- 14 de out.
- 3 min de leitura
Em O Relógio em Mim, Arthur Souto transforma o passar do tempo em uma delicada reflexão sobre a vida. À medida que o narrador revisita cada “hora” simbólica de sua existência, da infância à velhice, ele percebe que o tempo, antes temido, sempre foi seu companheiro silencioso. No instante final, entre o último tic e o silêncio, surge a compreensão do verdadeiro sentido de existir.

O relógio da parede marca onze e cinquenta e oito.
Mas o relógio que me preocupa não está na parede.
Está aqui dentro, entre o peito e a lembrança.
Sou eu quem está marcando o tempo agora... um tempo que já não corre, apenas escoa rapidamente.
Sinto que a meia-noite se aproxima.
E antes que ela me alcance, decido voltar pelas horas da minha própria vida.
Seis horas da manhã... lembro do primeiro sopro, o choro rasgando o silêncio do mundo.
Eu era um corpo pequeno, uma promessa enrolada em cobertores, e nada me pesava... nem o tempo... muito menos o amanhã.
Nove horas... vejo um menino correndo pela rua de terra, com joelhos ralados e olhos que cabiam o infinito. O mundo era grande demais, e eu, pequenino demais para entendê-lo. No entanto isso não importava... viver era brincar com o tempo e acreditar que ele nunca acabaria.
Meio-dia... sol arde na lembrança. Juventude... desejo... e muita pressa. Eu queria tudo: amor, sucesso e um destino feliz.
A vida parecia longa, e o futuro, ah o futuro... uma estrada sem fim.
Mal sabia eu que o tempo, generoso no começo, cobra caro no fim.
Três da tarde... os sonhos passaram a ser meros sonhos. Vieram as contas, o trabalho, os erros e as esperas. Aprendi que nem todo “para sempre” dura, e que algumas pessoas partem sem se despedir. Contudo aprendi também que as feridas ensinam o que a alegria não tem tempo de explicar.
Seis da tarde... o céu da memória se tinge de dourado. Vejo os rostos que amei, os que perdi e os que ainda vivem em mim.
Os filhos... ah, os filhos... São como relógios novos, marcando futuros que eu já não verei.
Sinto orgulho. E um leve arrependimento por tudo o que deixei para “depois”.
Todavia o depois é um luxo que o tempo raramente concede.
Nove da noite... o corpo cansa. As mãos tremem, e o fôlego se perde em pausas longas.
Fecho os olhos e escuto o relógio dentro de mim — tic... tac... tic... tac...
Cada batida traz uma lembrança: o primeiro beijo, a risada de um amigo, o cheiro do café da manhã de domingo, o afago de mamãe...
Tudo volta, e tudo parte, como ondas.
Agora falta pouco, pouquíssimos tique-taques...
Onze e cinquenta e nove... sinto o tempo se recolhendo em mim, como um animal cansado. Não há medo. Há apenas uma ternura enorme por tudo o que vivi.
Meia-noite... como passou rápido... o último tic se perde no ar.
Não há tac.
Só silêncio.
E, nesse silêncio, eu entendo.
O tempo nunca foi meu inimigo.
Ele apenas me acompanhou, paciente, constante e leal.
Afinal, não era o tempo que passava por mim.
Era eu que passava por ele, tentando aprender a ser eterno por um segundo.
O relógio da parede continua.
Ele não sabe que eu parei.
Mas talvez, em cada batida, ainda haja um pouco de mim... um eco do que fui, um vestígio do que amei e um sussurro do que vivi.
✍️ Escrito por: Arthur Souto
📚 Autor de: Pé de Menina, O Tumbeiro (Prêmio Book Brasil 2024), A Fada do PIX (Prêmio Ecos da Literatura), Minha vida em versos e flores e Tonha, a barraqueira.
📸 Instagram: @mundo_encantado_dos_livros
🔗 Blog: mundoencantadodoslivros.blog
🎉 E tem lançamento, um livro hiper divertido e repleto de críticas sociais: Tonha, a barraqueira. Clique no link abaixo e descubra Tonha:
PROMOÇÃO dos livros em ebook: APENAS 20 reais. Só chamar no Instagram e garantir todos nossos livros.
