Capoeira ou Matemática?
- Arthur Souto

- 3 de out.
- 3 min de leitura
Essa nova crônica de Arthur Souto retrata com humor uma reunião de pais e mestres em que a avó de um aluno surpreende o professor. Entre argumentos sobre déficit de raciocínio lógico e a defesa apaixonada da cultura e movimento da roda de capoeira, a cena vira quase espetáculo, arrancando risos e aplausos da plateia. No fim, o professor, dividido entre a rigidez dos números e a leveza da ginga, se vê refletindo se a vida exige mais contas ou mais capoeira.

Reunião de Pais e Mestres. Só de falar já dá aquele clima: professor sério, pilha de papel na mão, pronto para falar de notas, leitura, raciocínio lógico, mapa astral da sala de aula… parece até coletiva da NASA.
No entanto quem vive escola sabe: reunião de pais é novela mexicana. E, claro, sempre tem uma protagonista.
Ontem, a estrela foi uma avó. Daquelas avós raiz. Ombro erguido, bolsa no colo como se fosse escudo e olhar que atravessa a alma. Eu, todo compenetrado, soltei:
— Seu neto está no quarto ano, mas acabou de se alfabetizar. Ele tem muita dificuldade em Matemática, principalmente no raciocínio lógico. É fundamental o reforço.
Ela me encarou em silêncio. Nem piscou. Eu pensei: “Ou ela concordou, ou tá me hipnotizando.”
De repente, sem piscar, sem ensaio, ela solta:
— Professor, preciso que mude o reforço de dia.
Na hora, meu cérebro foi direto: “Consulta médica, fono, terapia, remédio caro, viagem intergalática…”
Nada disso... nadinha da silva.
— É que tá atrapalhando a capoeira!
Eu me engasguei. Sério, engasguei-me com a própria saliva. E saiu só um fiapo de voz:
— Capoeira?
— Sim, prô! — ela bateu no colo da bolsa, como se fosse berimbau. — O menino gosta demais, não pode perder. Capoeira é saúde, é cultura, é movimento. Matemática ele aprende depois.
Nesse momento, eu senti meu olho esquerdo começar a tremer. Sabe aquele tremor? Que vem avisando: “Segura que o derrame está chegando.”
Tentei argumentar:
— Vovozinha... — pensei em complementar com ¨que boca grande a senhora tem¨, mas vai que ela não gosta de conto de fadas— ele tem déficit em raciocínio lógico!
E ela:
— Déficit nada! Esse menino dá cada rasteira que derruba até homem grande!
Pronto. A sala caiu. Uns pais rindo, outros batendo palma baixinho, parecia até plateia do Domingão. Eu lá, tentando manter pose de professor, mas por dentro pensando: “Sou eu que estou errado? Será que estou insistindo demais nessa coisa de número?”
De um lado, eu: o Chato da Matemática.
Do outro, a avó: rainha da roda, defensora oficial da ginga.
E olha… confesso: comecei a duvidar. Porque pensa bem… a vida é mais conta ou mais capoeira?
Não é tudo uma grande roda, onde a gente precisa aprender a se equilibrar para não levar rasteira?
No fim, a avó saiu vitoriosa, o neto gingou feliz, e eu… eu fui embora com o olho ainda tremendo, rindo sozinho e pensando:
“Está decidido. Próxima reunião, vou sugerir uma nova disciplina no boletim: Matemática com Ginga.”
E cá entre nós: com tanta rasteira que a vida dá, talvez seja a avó que esteja certa.
✍️ Escrito por: Arthur Souto
📚 Autor de: Pé de Menina, O Tumbeiro (Prêmio Book Brasil 2024), A Fada do PIX (Prêmio Ecos da Literatura), Minha vida em versos e flores e Tonha, a barraqueira.
📸 Instagram: @mundo_encantado_dos_livros
🔗 Blog: mundoencantadodoslivros.blogo
🎉 E tem lançamento, um livro hiper divertido e repleto de críticas sociais: Tonha, a barraqueira. Clique no link abaixo e descubra Tonha:




Comentários