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FODA-SE

  • Foto do escritor: Arthur Souto
    Arthur Souto
  • 8 de out.
  • 4 min de leitura

Um grito de resistência e liberdade do professor exausto que, diante do caos da educação pública, transforma o “foda-se” em sua forma mais pura de sobrevivência e coragem.

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Pensei muito antes de escrever esta crônica. Juro.

Nunca fui fã de “palavrões”, mas cheguei naquele ponto da vida docente em que só resta apertar o glorioso botão do FODA-SE.


O Estado de São Paulo adora repetir o mantra da “educação de qualidade”.

Está nos outdoors, nos comerciais, nos discursos de campanha, nas hashtags de secretaria e no pacote se sucrilhos.

Contudo, nos bastidores, a tal “educação de qualidade” virou um UFC educacional, e os professores, os sacos de pancada oficiais.


Todo mês é uma porrada nova.

Quando a gente aprende a se esquivar de um golpe, vem outro: mais forte, mais humilhante e simplesmente mais desumano.

Muda o bônus, some o direito, inventam um sistema novo, criam uma “reorganização pedagógica” que ninguém entende, mas que, no final, tem sempre o mesmo desfecho: o professor mais cansado, mais pobre e com gastrite nível chef.


Viramos especialistas em sobreviver ao caos.

Se o mundo acabar amanhã com o tal 3I/Atlas, está tranquilo, pois professor paulista já vive o apocalipse há tempos.


Trabalhar em três escolas, almoçar bolacha de água e sal com café frio (quando é permitido usar o fogão da escola), e ainda ouvir que “precisamos acolher mais os alunos”.

Beleza. Só queria saber: quem acolhe o professor?


Ninguém, é a realidade nua e crua.

A palavra “acolhimento” é tipo promoção de Black Friday: só serve pros outros.

Tem acolhimento pra aluno, pra pai, pra gato perdido no pátio e para os cachorrinhos que nasceram atrás da escola.

E para o  professor? Só tapa nas costas (quando não é nas ideias).

Somos tratados como vírus resistentes:


“Ah, sobreviveu até agora, aguenta mais um pouquinho!”


E os incentivos? Ah, esses são uma comédia à parte.

Prometem notebook, entregam login.

Prometem reajuste, entregam planilha.

Prometem valorização, entregam um e-mail:


“Parabéns pelo seu dia, educador!


Como se um GIF animado cobrisse o rombo no contracheque.

(E olha que às vezes nem o GIF vem. Cortaram até o parabéns virtual.)


Dentro das escolas, o clima é de trincheira.

Cada um tentando não enlouquecer antes do recreio (eu tomo meu remedinho antes de sair de casa).

O coordenador tem medo da Diretoria, que tem medo da Secretaria, que tem medo do Governo…


E o Governo? Ah, o Governo não tem medo de nada, já terceirizou a culpa.

Quando tudo dá errado, a frase padrão surge como um mantra iluminado:


“Foi orientação do sistema.”


Um sistema que ninguém viu, ninguém entende, mas que manda mais que Deus e ainda responde mais devagar que o SED.


O professor já não sonha com férias... sonha com silêncio de sala vazia.

Não pensa mais em vocação, pensa em plano de saúde (se ainda tiver).


A sala de aula, antes templo do saber, hoje é campo minado emocional: aluno desmotivado, pai agressivo, gestor pressionado.


E no meio, ele: o professor, esse ser mitológico que tenta ensinar alguma coisa enquanto o mundo desaba e o projetor não liga.


E o que o Estado quer mesmo?

Que a gente desista.

Que peça exoneração, suma, desapareça no ar.


Quer que a gente ache que ser professor é penitência voluntária.

E continue sorrindo no dia do servidor, postando frase motivacional com filtro sépia enquanto o salário evapora.


Só que tem uma coisa que eles não entendem:

O professor pode estar exausto, ferrado, endividado, porém não é burro.

Quando percebe que foi feito de palhaço, que virou inimigo do próprio sistema, ele para de tentar agradar.

Levanta, encara o caos, respira fundo e diz, com todas as sílabas e alma: FODA-SE.


Foda-se o bônus.

Foda-se o plano mirabolante.

Foda-se a palestra sobre “resiliência”.

Foda-se o governador de terno engomado e cara de jaca que nunca pisou numa escola pública.


Ahhh, o alívio do FODA-SE… é libertador, quase espiritual.

Um mantra sagrado para quem não quer enlouquecer.


E sabe o que é curioso?

Aprendi isso com uma mulher chamada Tonha, a barraqueira, protagonista do meu livro.

Tonha me ensinou que dizer o que se pensa não é grosseria, é coragem.

E que aceitar calado as injustiças sociais é o primeiro passo pra se tornar cúmplice delas.


Desde que conheci Tonha, aprendi a rir da desgraça, a transformar raiva em palavra e indignação em arte.

Se ela estivesse aqui, bateria na mesa, ergueria o queixo e diria, sem pestanejar:


“Coisinha, ou a gente fala... ou a gente explode.


E é isso.

O “foda-se” do professor não é desistência, é sobrevivência.

É resistência.

É a arte de continuar de pé num sistema que faz de tudo pra te ver cair.


E adivinha?

A gente ainda não quebrou.

E se quebrar... a gente junta os cacos, dá aula com eles, e ainda grita, com orgulho e ironia:


FODA-SE.


✍️ Escrito por: Arthur Souto


📚 Autor de: Pé de Menina, O Tumbeiro (Prêmio Book Brasil 2024), A Fada do PIX (Prêmio Ecos da Literatura), Minha vida em versos e flores e Tonha, a barraqueira.


📸 Instagram: @mundo_encantado_dos_livros



🎉 E tem lançamento, um livro hiper divertido e repleto de críticas sociais: Tonha, a barraqueira. Clique no link abaixo e descubra Tonha:

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